terça-feira, 6 de novembro de 2012

O futuro da ilha de Antônio Vaz

A Ilha de Antônio Vaz.

No centro do centro do Recife está a Ilha de Antônio Vaz, formada pelos bairros de Santo Antônio, São José, Cabanga e Ilha Joana Bezerra. O nome não é muito conhecido, mas a ilha abriga vários locais importantes da cidade, como o Palácio do Campo das Princesas, o Teatro Santa Isabel, o Mercado São José, a Estação Ferroviária Central, o Forte das Cinco Pontas e o Fórum Joana Bezerra (oficialmente Fórum Rodolfo Aureliano). Trespassam seus bairros conhecidas avenidas e ruas da capital pernambucana, como Guararapes, Dantas Barreto, Sul e Imperial, e catorze pontes ligam a ilha a outros bairros. Sua vista aérea é talvez o mais famoso cartão-postal da cidade.

Como se sabe, entretanto, esses bairros foram abandonados pelo Poder Público, apesar de seu grande potencial. Sua vocação comercial é debilitada por calçadas estreitas e sujas, disputadas por pedestres e vendedores de rua. O final da Dantas Barreto, o binário avenida Sul e rua Imperial, e o Cais José Estelita, por sua vez, servem quase unicamente de passagem para carros e ônibus, com ruas desertas e edifícios degradados. Com a insegurança, há pouca vida noturna, e com pouca vida noturna, há insegurança.

Em meio à preocupação geral com os usos e abusos da cidade, projetos de diferentes tipos e dimensões, localizados nesses bairros, criam tanto esperanças quanto polêmicas. Como leigo interessado no assunto, resolvi expressar minha opinião, tentando olhar de maneira concertada o conjunto de projetos situados na ilha para sugerir mudanças que poderiam reconfigurar de maneira mais decisiva a realidade social e econômica desta parte da cidade.
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Há vários projetos em curso na Ilha de Antônio Vaz. Um deles faz parte de uma iniciativa municipal chamada de Operação Urbana Consorciada (OPUC) Joana Bezerra (lei municipal 17.645/2010), cuja definição legal é "um conjunto de intervenções coordenadas pela Prefeitura, (...) com a participação dos proprietários, moradores, usuários e investidores, visando à melhoria e transformações urbanísticas, sociais e ambientais na área do Joana Bezerra (...)" (art. 1º).
Conjunto Habitacional em Joana Bezerra já 
passou do prazo.

Entre seus muitos objetivos (explícitos e implícitos), está o de erguer, próximo ao Fórum Rodolfo Aureliano, um Pólo Jurídico formado por Tribunal de Justiça de Pernambuco, Ministério Público de Pernambuco, Ordem dos Advogados do Brasil-PE, Defensoria Pública, Fórum Criminal e Escola de Magistratura. O projeto é polêmico e enfrenta oposição de organizações do Coque, em Joana Bezerra. Lamentavelmente, tem sido pouco discutido na mídia.

Como contrapartida aos terrenos disponibilizados, o Poder Judiciário teria que ceder R$ 50 milhões em benefícios ao bairro, conforme noticiou Daniel Guedes. Fato é que a lei da OPUC determina o seguinte:

Art. 5º Os empreendimentos e as atividades que se pretenderem instalar na área objeto da presente Operação Consorciada, com índice de potencial construtivo superior a 01 (um), só serão aprovados mediante a contrapartida para a consecução dos objetivos desta lei e do plano de intervenção e obras, nos termos do inciso VI do art. 170 do Plano Diretor da Cidade do Recife.

§ 1º São obras prioritárias de urbanização, necessárias para implementação da Operação Urbana, sem exclusão de outras que poderão ser executadas pelo Município, as seguintes, detalhadas no Anexo Único desta lei:



OPUC Joana Bezerra.
I - Urbanização das margens do Rio Capibaribe;
II - Alargamento da Rua Cabo Eutrópio;
III - Anel Viário;
IV - Parque Público Beira Rio de uso comum do povo;
V - Acesso à estação intermodal;
VI - CEMEI - Centro Municipal de Educação Infantil
VII - Centro Ambiental.


§ 2º A execução da obra prevista no inciso IV do parágrafo anterior caberá ao empreendimento voltado à Prestação Jurisdicional do Estado, sendo que a licença de construção só será expedida se a mesma estiver sido executada, ou garantido o pagamento do valor para sua execução.
§ 3º A Secretaria de Controle e Desenvolvimento Urbano e Obras fica autorizada a receber, em rubrica específica, o pagamento de eventual valor de garantia especificado no parágrafo segundo deste artigo.
§ 4º A execução do Centro Municipal de Educação Infantil é de responsabilidade do Município.

§ 5º O Município para executar as obras referidas no § 1º poderá firmar convênios com outros Entes Federados ou com a iniciativa privada.

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Eis os benefícios pretendidos para o bairro pela OPUC. Salta aos olhos o fato de que o Parque Beira Rio, do qual pouco ou nada é conhecido (a propaganda oficial menciona apenas os parques do Caiara, de Apipucos e de Santana), consta como condição prévia para a licença de construção dos edifícios do Pólo Jurídico. Uma vez que os terrenos do MPPE, da OAB-PE e do TJPE já foram cedidos pela Prefeitura, resta saber como está o desconhecido projeto do parque.
Limites do bairro de São José.
O plano todo me parece sensato, mas gostaria de ousar um pouco além do projeto para integrá-lo ao bairro de São José. Isso seria possível se a linha férrea entre Joana Bezerra e a Estação Central fosse extinta ou tornada subterrânea, e quero explicar por quê. Na imagem acima, feita aparentemente pela própria Prefeitura, a faixa verde legendada como "Urbanização das Margens" não faz parte do "anel viário", em vermelho. Supondo que "urbanização" signifique pista para automóveis, ciclovia e amplas calçadas (e praças, espero), percebe-se que ela termina onde passa o trecho Afogados-Joana Bezerra da ferrovia, demonstrando o caráter de muralha que esse tipo de construção adquire no espaço urbano. A escolha da rua Cabo Eutrópio certamente deveu-se ao fato de que ela cruza a ferrovia por baixo, com uma largura de cerca de 13,5m, e segue até a Avenida Sul.

A rua Cabo Eutrópio sob a ferrovia.
O efeito degradante e segregante da ferrovia sobre o seu entorno é amplamente conhecido e facilmente verificável, constituindo uma das razões por que grandes cidades optam por metrô subterrâneo. Na ilha de Antônio Vaz, a linha férrea é também fronteira entre os bairros de Joana Bezerra e São José, e em torno dela há famílias vivendo em favelas, prédios abandonados, a rua Imperial e a avenida Sul.


Em outro post comentei a situação da avenida Dantas Barreto, sugerindo uma alternativa que poderia ser incorporada a esse plano geral para o Centro, posto que atualmente ela não atende bem a ninguém.  Creio, no entanto, que uma valorização real dos bairros da ilha de Antônio Vaz precisa resolver o problema da linha férrea pelo menos no trecho Joana Bezerra-Estação Central. 

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Ferrovia, conjuntos habitacionais e integração 
da Beira Rio com a avenida Rio Capibaribe.
A linha férrea que parte da estação Joana Bezerra rumo à Estação Ferroviária Central tem cerca de 1,4km de extensão (veja imagem ao lado). É possível perceber que, além dos fundos das empresas instaladas na rua Imperial, considerada em estado de abandono, as únicas construções residenciais próximas à ferrovia são favelas e palafitas, a cujos moradores, juntamente com os da comunidade dos Coelhos, do outro lado do rio, foram prometidos conjuntos habitacionais que estão em construção nos locais indicados acima. Como é possível perceber, os conjuntos ficarão ao lado da linha férrea, que permanece como fator de insalubridade e barreira segregadora para as famílias que ali viverão.


Veículo Leve sobre Trilhos (VLT).
Diante desse problema, pergunto se é indispensável que perdure a linha Joana Bezerra-Estação Central. Creio que não. Em primeiro lugar, o Terminal de Joana Bezerra permite que o passageiro troque o meio de transporte sem ônus adicional, de modo que, extinto o trecho ferrovia, a alternativa mais fácil é utilizar um ônibus para seguir viagem até o centro da cidade. Outras opções para substituir o metrô de superfície são o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e o metrô subterrâneo (mais caro, mas não impossível).


Em segundo lugar, o edifício antigo da Estação Central pode e deve ser conservado como o Museu do Trem, que já funciona no local. Suas demais instalações e seus trilhos, no entanto, ocupam muito espaço do centro da cidade e isolam aquela margem do Capibaribe do resto do bairro de São José, obstruindo seu potencial urbanístico.
 
Em terceiro lugar, a valorização do centro com o Pólo Jurídico e uma urbanização adequada (e não a segregação urbana proposta pelo Novo Recife), combinada com o Porto Novo, o Porto Digital e o funcionalismo público no Recife Antigo, deve gerar novas demandas viárias. Tendo em vista que as famílias que vivem entre o rio e a ferrovia serão transferidas para conjuntos habitacionais, é possível vislumbrar uma ligação da Beira Rio em Joana Bezerra com a Avenida Rio Capibaribe em São José, até a Ponte Velha.
Estação Central, Secretaria de Defesa Social 
e Casa da Cultura.
Novo prédio da SDS na Rua Seis.

Uma avenida Beira Rio continuada de Joana Bezerra a São José seria mais uma opção não só para o trânsito, mas também de espaço para edifícios comerciais, residenciais e até de prédios governamentais. Se a Secretaria de Defesa Social terá sua sede ali (como se vê no Google Street View), outros órgãos públicos poderiam mudar-se para a área tornada disponível pela extinção da via férrea e a planejada transferência da comunidade de Vila Brasil para o conjunto próximo ao Fórum Rodolfo Aureliano. Uma alternativa à transferência, se não fosse de interesse da comunidade, seria promover a urbanização das favelas margem do rio com habitação popular, semelhante ao que foi feito na Ilha de Deus.

Intervenções como essas podem não só gerar emprego e estimular a economia local durante e após a fase de implantação, mas melhorar a qualidade de vida na ilha de Antônio Vaz e na cidade do Recife. Para isso, é preciso observar princípios elementares do bom urbanismo: privilegiar os espaços públicos, preservar o patrimônio histórico e cultural e garantir os direitos da população.

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