quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Uma Rambla para o Recife (1)


Calçada da Conde da Boa Vista, Recife-PE
Certa vez estava remoendo os problemas urbanos do Recife: a (i)mobilidade, a carência de praças, de espaços de convivência e de lazer, a ditadura dos automóveis sobre pedestres e ciclistas. Como a maioria dos recifenses, tenho problemas com o desperdício de tempo no trânsito, com a exclusão de ciclistas e pedestres, com o valor abusivo e a má qualidade do transporte público e com a falta de hospitalidade do centro da cidade. Vivemos numa cidade quente onde não há espaço para árvores. As calçadas são pequenas demais para ambulantes e transeuntes e as ruas são estreitas demais para carros e ciclistas.

Conversa vai, conversa vem (comigo mesmo ou com alguém daqui de casa), eis que surge a avenida Conde da Boa Vista. Quente demais, cheia de gente, barulhenta, fedorenta, congestionada. É difícil encontrar um adjetivo positivo. Nunca estive em São Paulo, mas pelo que vi da Avenida Paulista, imagino que seja mais hospitaleira e organizada que a Conde da Boa Vista. Pensando numa solução para esse nosso inferno local, lembrei-me da Rambla. Como sonhar é de graça e o assunto me interessa, minhas divagações me levaram a pesquisar.

Se você já esteve em Barcelona, certamente sabe a que estou me referindo. Para quem não conhece, as fotos que adornam o texto serão suficientes para ilustrar a ideia que tem rondado minha cachola há alguns meses. 
 
La Rambla – ou Las Ramblas, uma vez que há pelo menos duas, uma delas chamada de Rambla Catalunya – é uma avenida como praticamente não há nesse pedaço caliente do mundo que chamamos de Recife: um caminho arborizado que privilegia o pedestre. Além da sombra assegurada pelas árvores, seu formato incomum e localização central fizeram desses mais de dois quilômetros de ruas contíguas um espaço público movimentado e uma atração incontornável aos visitantes da capital catalã. 

Com uma largura que varia, a depender do trecho, de 35 a 44 metros (de acordo com a régua do Google Earth e os dados que encontrei na internet), a Rambla ostenta três caminhos para pedestres: duas calçadas laterais, com no máximo 3m de largura, e um "canteiro" central cuja amplitude média é de 18m. Entre o canteiro central e as calçadas laterais, uma via indo e outra voltando. São três faixas de trânsito e um espaço para estacionamento em um dos lados, conforme mostra a foto.
 
O canteiro central, claro está, é o inusitado destaque. Nele se encontram comerciantes diversos (lanchonetes, floristas e bancas de revistas, por exemplo), artistas de rua, engraxates, guias turísticos e pontos de informação, e muitos transeuntes, turistas e locais. Não poderiam faltar bancos fixos para descansar, ler um livro ou um jornal, ou simplesmente para ver o povo na rua. Nas calçadas laterais, belos edifícios de cinco a sete andares abrigam residências e negócios, com vitrines de lojas, farmácias, bares, lanchonetes, restaurantes – o de sempre.
 
Não quero, porém, estender o falatório sobre a Rambla e demorar a tratar daquilo que realmente me importa. Se o leitor ou a leitora quiser saber mais sobre os encantos de Barcelona, o Google está 24 horas ao seu dispor. A partir de agora falaremos do Recife.
 
Que eu me lembre, Recife tem somente uma via de pedestres, que é a rua da Imperatriz. Quem já andou por lá sabe que o movimento é grande. Em época de comércio intenso a rua fica pequena para tanta gente. Não há árvores na Imperatriz e, apesar do nome pomposo, não há muita beleza para se ver ou boas opções para desfrutar o ócio. Apenas lojas, lanchonetes e outros negócios.

Rua da Imperatriz. Foto: Guga Matos/JC Imagem
Minha preocupação, no entanto, era com a Conde da Boa Vista. Vislumbrando algo parecido com a Rambla, afrontou-me de imediato a falta de espaço. Além dos ônibus que circulam diariamente nos corredores exclusivos, há faixas para carros em boa parte do trajeto. Julgava ser ampla o suficiente para abarcar a ideia, mas seus surpreendentes 25 metros de largura não me permitiram aplicar-lhe o conceito espaçoso da Rambla.
 
Engavetei meu projeto-divagação e deixei para lá. Até que um dia desses esbarrei com uma notícia que me fez mudar o foco, como mostrarei no texto seguinte.
 
Abaixo, a Rambla de Barcelona de dia e ao anoitecer.



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